Contribuições culturais de São João Paulo II: um breve ensaio Ao iniciar o seu pontificado o Papa João Paulo II já manifestava a sua preocupação em como promover a relação da Igreja, em especial a Santa Sé, com a cultura, em todas as suas várias expressões, objetivando uma evangelização eficaz. Em resposta ele instituiu, em 20 de maio de 1982, o Pontifício Conselho Para Cultura, tendo como pauta importante estudar o problema fundamental das responsabilidades da Santa Sé perante a cultura, além de buscar promover os grandes desafios que o Concílio Ecumênico Vaticano II propôs, no que se refere as relações entre a Igreja e a cultura. No documento de instituição deste Pontifício o Papa destaca as orientações do Vaticano II que asseveram a “importância fundamental da cultura para o desenvolvimento integral do homem, os multíplices vínculos entre a mensagem da salvação e a cultura, o recíproco enriquecimento da Igreja e das diversas culturas na comunhão histórica com as várias civilizações, como também a necessidade de os crentes compreenderem a fundo o modo de pensar e de sentir dos outros homens do próprio tempo, de como se exprimem nas respectivas culturas” (Gaudium et Spes, 53-62). É com este olhar e preocupação para com a pessoa humana que o Papa exerceu o seu ministério em defesa do homem. Ele destacava a existência de uma dimensão fundamental que abala a liberdade individual e coletiva da humanidade frente as ameaças que elas sofrem, referindo-se ao homem em sua integridade, posto que o homem vive a sua humanidade em relação a cultura isto porque o seu futuro depende da cultura (afirmação do papa no discurso da UNESCO, em 2 de junho de 1980). Nesta perspectiva o Papa tratava e era voz ativa em defesa da vida do Homem como criatura de Deus, expressado no combate aos regimes totalitários que marginalizam e subjugam as pessoas; nas proposições de condutas éticas em relação a sexualidade; na defesa do corpo humano e o planejamento familiar; na concepção filosófica da relação entre a Fé e a razão deixando claro que uma não exclui a outra mas que se completam quando vistas e utilizadas para a salvação e bem estar da Pessoa Humana como imagem e semelhança de Deus. João Paulo II e a defesa do ser humano como criatura de Deus Uma pergunta importante que devemos nos fazer é, quem foi esse homem com olhares múltiplos sobre a condição humana a fim de guiá-los para o encontro definitivo com Deus na morada eterna, sem deixar a margem as relações sociais de caridade e fraternidade com o outro, o próximo? Em resposta podemos afirmar que São João Paulo II foi um homem de coragem inigualável, posto que enfrentou grandes desafios culturais e sociais, inclusive diplomáticos, e se posicionou frente a estes desafios com muita clareza em seus textos e atitudes. Sua nomeação como Papa, em 16 de outubro de 1978, despertou a esperança ao povo que vivia sob os auspícios do comunismo e da “guerra fria” entre a União Soviética e os países ocidentais, vivia-se com grande medo da possibilidade de uma guerra nuclear que disseminaria o planeta. João Paulo II viveu e sofreu sob este terrível regime na Polônia, cabendo a ele, por vontade de Deus, ser o principal artífice da queda desde regime, depois de ter por mais de 70 anos escravizado muitas nações da Europa e as ter confinado sob o chamado Muro de Berlim ou “Muro da Vergonha”. Milhões de pessoas foram vítimas deste terrível flagelo. Neste cenário cultural e após todas as declarações que o Papa João Paulo II fez, algumas pessoas poderiam considerá-lo como o inimigo político que venceu o comunismo. Porém, isso não se materializou como afirma a professora da Houston Baptist Universit, Barbara J. Elliott, “Sua posição desafiou o comunismo no reino metafísico, não na arena política. Sua mensagem nunca foi uma que defendesse posicionamento político. Em vez disso, ele entendeu que o erro do comunismo estava em sua visão fundamental do ser humano, que não é apenas uma unidade de trabalho envolvida em uma luta de classes perpétua, como Marx afirmou, mas uma criatura feita à imagem de Deus, com alma e um destino eterno. João Paulo II nunca tirou os olhos de Deus, seu coração e mente tinham uma bússola apontando para o verdadeiro Norte. Ele encorajou as pessoas a amarem a Deus mais profundamente, a valorizarem as relações com as pessoas queridas e a obedecerem a Deus com confiança. Ele desafiou o comunismo de joelhos, rezando a Deus: ‘Seja feita a Vossa vontade’”. E esta professora ainda afirma que “Ele reconheceu e disse, muito antes de qualquer outra pessoa, que se tratava de um conflito espiritual, ou seja, que na raiz do conflito entre o comunismo e o resto do mundo não estava a política nem o poderio militar; estava um conflito espiritual”. A sua posição tornou-se cada vez mais clara quando, na ocasião da Encíclica Centesimus Annus, publicada em 1 de maio de 1991, onde o Papa afirma que a economia deve estar ao serviço do homem. E é nesse horizonte que João Paulo II faz críticas veementes e discursos muito duros contra os sistemas econômicos e políticos que sacrificam a dignidade humana aos interesses ideológicos ou econômicos, sejam eles na perspectiva marxista ou como os que se inspiram em formas injustas de capitalismo. Nesse sentido, João Paulo II, como sucessor de Pedro, não poderia se omitir diante da degradação do ser humano fruto da guerra e das relações sociais vigentes, pessoa humana que ele vai caracterizar e definir, em 4 de março de 1979, na Encíclica Redemptor Hominis, onde revelou os fundamentos antropológicos do seu pensamento, posto que “O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se o não experimenta e se o não torna algo seu próprio, se nele não participa vivamente. E por isto precisamente Cristo Redentor, como já foi dito acima, revela plenamente o homem ao próprio homem. Esta é — se assim é lícito exprimir-se — a dimensão humana do mistério da Redenção. Nesta dimensão o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua humanidade” (Redemptor Hominis, 10). Aqui nos é revelado a necessidade do encontro do homem com Deus e consigo mesmo. Nesta perspectiva o Pe. Alfredo Dinis, sj – Professor UCP vai nos afirmar que o Personalismo filosófico defendido Pelo Papa João Paulo II marca as intervenções do Papa no domínio da cultura em geral, como também no que se refere às questões éticas em particular. Em referência a esta Encíclica o Papa nos fala “procurei exprimir nela tudo aquilo que animou e anima continuamente meus pensamentos e o meu coração...Considero que, se Cristo me chamou assim, com tais pensamentos e tais sentimentos, é porque quis que esses apelos do intelecto e do coração, essas expressões de fé, de esperança e de caridade encontrassem ressonância no meu novo e universal ministério desde seu início. Portanto da mesma forma que vejo e sinto a relação entre o mistério da redenção em Cristo Jesus e a dignidade do homem, assim gostaria muito de unir a missão da igreja com o serviço ao homem, neste seu impenetrável mistério. Vejo nisso a tarefa central do meu serviço eclesial”. (Gaeta, pg. 147). Nestes termos, o Papa assume que no seu ministério evangelizar e tornar presente Cristo na vida do homem enquanto pessoa, e ao mesmo tempo, na vida em sociedade. Assim, podemos afirmar sem dúvida alguma que, para ele, o homem não pode ser visto como um ser à margem da sociedade, mas ao contrário é um ser inserido socialmente e que precisa ser cuidado como criatura de Deus. O Papa e a defesa da vida Em decorrência a esta concepção, na encíclica Evangelium Vitae o papa anuncia que “O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus” (Evangelium Vitae, 2). E ainda “Mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo o homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf. Rm 2, 14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até ao seu termo, e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente respeitado este seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política” (Evangelium Vitae, 2). A exortação e defesa da vida é um dos temas defendidos com veemência pelo Papa João Paulo II, ele se posiciona contra “toda espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis” (Evangelium Vitae, 5). Em destaque o Papa vai nos exortar a solidariedade com os idosos, com as crianças, com os doentes, com os imigrantes. Esta solidariedade visa o exercício dos valores fundamentais como a sobrevivência, a liberdade e a paz, e ainda assevera e nos pede atenção para com a violência na qual o homem está submetido fruto da guerra, do desequilíbrio ecológico, da injusta distribuição das riquezas entre os povos e entre as classes socias, do uso abusivo das drogas, com a promoção de métodos contraceptivos, bem como os modelos de sexualidade imorais e que põe graves riscos a vida, com mais atenção a vida nascente (aborto) e a terminal (eutanásia). Posto na consciência coletiva, o aborto e a eutanásia “tendem a perder o carácter de « crimes » para assumir, paradoxalmente, o carácter de « direitos », a ponto de se pretender um verdadeiro e próprio reconhecimento legal da parte do Estado e a consequente execução gratuita por intermédio dos profissionais da saúde” (Evangelium Vitae, 11). Essas demandas, segundo João Paulo II, são frutos de uma cultura anti-solidária que evidencia a cultura da morte promovida por fortes correntes culturais, econômicas e políticas, portadoras de uma concepção eficientista da sociedade. Os crimes contra a vida com essas concepções sociais caracterizam uma crise cultural que nos limita a compreender claramente o sentido do homem, de seus direitos, e seus deveres e impõe um conceito de liberdade deturpado, posto que nesta concepção de liberdade exalta-se o indivíduo de modo absoluto, cultivasse a promoção do eu que lhe afasta da solidariedade e acolhimento do outro, contraria a concepção de liberdade como Dom que Deus concede ao homem em uma dimensão relacional essencial, ou seja, o exercício da liberdade implica o acolhimento, cuidado e zelo com o outro. O Papa nos alerta para tomarmos atenção a respeito da moral deturpada que a sociedade quer nos impor, quando diz que “« consciência moral » da sociedade: esta é, de algum modo, responsável, não só porque tolera ou favorece comportamentos contrários à vida, mas também porque alimenta a « cultura da morte », chegando a criar e consolidar verdadeiras e próprias « estruturas de pecado » contra a vida” (Evangelium Vitae, 24). Por fim, percebemos nas falas do Papa que toda essa investida cultural e social acaba obscurecendo a presença de Deus em nossas vidas, camufla a verdade e conduz o homem a um materialismo prático onde se evidencia o individualismo, o utilitarismo e o hedonismo. A exaltação do ter em detrimento do ser, é o que interessa, junto com a busca do bem-estar material. Nesse tipo de cultura, sem a presença de Deus, a natureza fica deformada, sujeita a todo tipo de manipulação. Nesse contexto se instala uma mentalidade técnico-científica da cultura contemporânea que nega a verdade da Criação e o desígnio de Deus sobre o respeito e a defesa da vida. No horizonte de combater essa visão cientificista João Paulo II nos exorta, em 14 de setembro de 1998, com a encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão). A racionalidade e a fé como revelação do reino dos céus A premissa em que o Papa se apoia para evidenciar a relação entre a fé e a razão, foi de que Deus nos concede a graça de buscar a verdade sobre Ele e em nós mesmos, então ele afirma que “A fé e a razão (Fides et Ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade” (Fides et Ratio, p.1). Neste contexto, comungamos com o Papa de que independentemente da cultura, o homem sempre buscou respostas para questionamentos tais como: Quem sou eu? De onde venho e para onde vou? Por que existe o mal? O que existirá depois desta vida? As respostas a esses questionamentos não são simples e precisam de auxílio e orientação, pois estão vinculadas a condição de existência do homem. Daí, a necessidade de a Igreja buscar oferecer condições para a pesquisa destas verdades a partir de Jesus Cristo que é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6), neste percurso a Igreja deve oferecer, dentre os vários serviços “a diaconia da verdade. [1] Por um lado, esta missão torna a comunidade crente participante do esforço comum que a humanidade realiza para alcançar a verdade, [2] e, por outro lado, obriga-a a empenhar-se no anúncio das certezas adquiridas, ciente, todavia, de que cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela verdade plena que se há de manifestar na última revelação de Deus: « Hoje vemos como por um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje conheço de maneira imperfeita, então conhecerei exatamente » (1 Cor 13, 12)”. Isto nos afirma que nunca estamos sós, a Igreja nunca nos abandona. Pela ação do Espírito Santo nos oferece serviços para que a razão não se sobreponha e exclua a fé na salvação ou que nos coloque a margem do reconhecimento do amor de Deus por nós e do nosso desejo de amá-lo incondicionalmente como ele nos ama. As relações entre fé e razão desencadeiam temas decisivos para a cultura e para a própria existência do homem, visto que representam dois caminhos diferentes, porém completares para chegar a Deus. Neste contexto, é asseverado pelo Papa que a razão nos conduz em um caminho que nos leva do mundo a Deus, por meio de pesquisas que objetivam responder a realidade do mundo para buscar seu fundamento último, ou seja, a revelação do mistério daquele que é origem e fundamento de todas as coisas. Já sobre o conhecimento da fé foi Deus quem quis e se revela ao mundo com uma linguagem e uma mensagem que vai além da criação. O convite feito por Deus é que a fé nos conduza livremente, sem influências externas, mas evitando o fideísmo cego, que deve ser atenuado pelo uso da razão, a qual tem um papel importante no discernimento dos sinais que Deus dá da sua revelação. Neste contexto, “A Revelação coloca dentro da história um ponto de referência de que o homem não pode prescindir, se quiser chegar a compreender o mistério da sua existência; mas, por outro lado, este conhecimento apela constantemente para o mistério de Deus que a mente não consegue abarcar, mas apenas receber e acolher na fé. Entre estes dois momentos, a razão possui o seu espaço peculiar que lhe permite investigar e compreender, sem ser limitada por nada mais que a sua finitude ante o mistério infinito de Deus” (Fides et Ratio, 14). Assim, a verdade da revelação cristã nos permite perceber o mistério da própria vida respeitando a autonomia e a liberdade da pessoa, nos impulsionando ao acolhimento da transcendência. O significado de tudo isto é que o fim último da existência humana é pauta de pesquisas tanto da filosofia como da teologia, mesmo com meios e percursos diferenciados as duas nos conduzem ao encontro da alegria plena e verdadeira da contemplação de Deus, Uno e Trino. Neste exercício breve nas contribuições do Papa São João Paulo II sobre a cultura, pudemos perceber que todos os seus ensinamentos e orientações visavam a defesa da pessoa humana em especial os jovens, pelo qual ele tinha muito apreço pois os considerava a esperança da Igreja e do mundo. Esperança esta que o Papa alimentou com seus ensinamentos para que os jovens não se percam na cultura, suposta progressista, que põe de lado o essencial que é a vida em busca da santidade. Clique aqui para acessar a novena de São João Paulo II Acompanhe também em nosso site os artigos sobre a vida de São João Paulo II, clicando abaixo: A Inspiração da Jornada da Juventude de São João Paulo II São João Paulo II: O Papa da Juventude Referências: Carta encíclica Redemptor Hominis do sumo pontífice João Paulo II. Carta encíclica Evangelium Vitae do sumo pontífice João Paulo II. Carta encíclica Fides et Ratio do sumo pontífice João Paulo II. Carta do Papa João Paulo II ao secretário de estado mediante a qual é instituído o pontifício conselho para a cultura. Constituição pastoral Gaudium Et Spes, sobre a Igreja no mundo Atual. https://pt.aleteia.org/2021/12/23/como-joao-paulo-ii-contribuiu-para-queda-do-comunismo-sovietico/ Discurso do Papa João Paulo II aos membros do pontifício conselho para a cultura. https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html
Como João Paulo II contribuiu para a queda do comunismo soviético.
Impacto cultural do pensamento de João Paulo II.
https://agencia.ecclesia.pt/portal/impacto-cultural-do-pensamento-de-joao-paulo-ii/
GAETA, Saverio. Esta é Minha vida, João Paulo segundo- ele próprio. São Paulo, Paulinas, 2011.
Data
16/10/2023
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Tabi em 17/10/2023 Uma formação e tanto, meu tio diácono! Arrasou!
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